Política

Pena alternativa para pequenos traficantes divide especialistas e Congresso

BRASÍLIA e RIO - Apesar de aprovada por especialistas das áreas jurídica e de saúde, a proposta do novo secretário nacional de Políticas sobre Drogas , Pedro Abramovay, de acabar com a pena de prisão para traficantes tidos de pequeno porte e sem vínculo com o crime organizado enfrentará resistência no Congresso. Parlamentares da oposição e até da base governista veem com reservas a proposta.

Abramovay defende a pena alternativa para traficantes que vendem pequenas quantidades de drogas para manter o próprio vício; o objetivo da medida é reduzir a superlotação dos presídios por detentos sem antecedentes criminais, e evitar que os pequenos traficantes, na cadeia, sejam cooptados pelo crime organizado.

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Diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas da Uerj, a psicanalista Ivone Ponczek diz que a medida pode ser pensada para o caso entre usuário e traficante:

- Para o usuário, foi fundamental ele ter passado a receber penas alternativas (desde a lei 11.343/2006). Já nesse caso intermediário, é preciso definir o que entra e o que não entra nele; por exemplo, qual o grau de dependência da pessoa que cometeu o delito, para saber se é uma dependência suficiente para isso. Por isso é que, para essa medida dar certo, é preciso que a Justiça se articule com a saúde. O juiz tem de ter o suporte de equipe de saúde. A lei de Portugal sobre o tema (citada por Abramovay) é tida como referência justamente por dar ênfase ao tratamento, e por ligar Justiça e saúde.

Para o presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, Fernando Fragoso, a prisão de usuários que cometam pequenos delitos "é um absurdo":

- Uso de drogas é problema de saúde pública, você não tem que tratar com o direito penal. Esse caso intermediário, sendo preso, só vai se qualificar no crime lá dentro. É um equívoco da lei 11.343 equiparar esse caso ao traficante. A prisão talvez só possa ser considerada quando há reincidência - diz Fragoso, destacando que seria necessário melhorar as penas alternativas. - As penas alternativas, hoje, geralmente são multas e serviço comunitário, mas, nesses casos, precisavam ser, com mais frequência, palestras de aconselhamento e serviços comunitários nas clínicas de dependência.

Integrante da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo, a psicóloga Andréa Costa Dias acompanhou por 12 anos o tratamento de 131 usuários de crack - e a maioria havia cometido delitos para financiar a compra da droga. Para Andréa, a lei nivela a punição para grandes e pequenos traficantes, quando muitos precisam de tratamento:

- Temos que saber que tráfico é esse: o dos cartéis, dos grandes traficantes ou dos usuários que precisam de tratamento. O consumo de crack tem uma particularidade: a maioria dos consumidores vende a droga para conseguir comprar mais.

Especialista em segurança pública, Antônio Flávio Testa, da UnB, defende a revisão da lei:

- O texto é severo na punição, mas não tipifica quem deve ser punido. Não separa grandes traficantes de usuários que traficam para sustentar o vício. Como resultado, temos a superlotação carcerária.

No Congresso, porém, há resistências. O deputado João Almeida, líder do PSDB na Câmara, diz que a distinção entre usuário e traficante estabelecida na lei já é suficiente:

- Isso é típico do PT. Um absurdo. Começa a passar a mão na cabeça (do pequeno traficante) e, depois, fica a critério de quem definir se é pequeno ou grande? Traficante é traficante. Daqui a pouco vão querer tirar a pena também para quem trafica para comer ou pagar o aluguel.

Fernando Francischini (PSDB-PR), delegado da Polícia Federal licenciado, já avisou que vota contra qualquer proposta de abrandamento da pena para qualquer pessoa que, de algum modo, tenta tirar lucro do comércio de drogas. Para ele, o fim da prisão para pequenos traficantes poderia ter o mesmo efeito da despenalização de menores de idade, que passaram a ser arregimentados por quadrilhas:

- Vai incentivar a criação de redes de pequenos traficantes.

O deputado Paulo Teixeira (PT-S), que ano passado chegou a anunciar proposta similar a de Abramovay, disse que aguardará sugestões do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) para apresentar projeto sobre o tema. Diz apenas que a lei antidrogas precisa ser revista:

- A lei enche as cadeias de principiantes, que são escalados para crimes mais fortes.

O deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), ex-secretário nacional de Segurança Pública, também vê com reservas a medida. Para ele, pena de prisão pode ser reduzida, não eliminada:

- Uma graduação da pena pode ser discutida.