Brasil

Grupo pedirá fim da repressão ao cultivo de plantas proibidas na ONU

Atividade econômica é fundamental para sobrevivência de pequenos agricultores

Agricultores em plantação de papoula, no Afeganistão: heroína é derivada da planta
Foto: Rahmat Gul/AP/10-05-2013
Agricultores em plantação de papoula, no Afeganistão: heroína é derivada da planta Foto: Rahmat Gul/AP/10-05-2013

RIO — Em meio a autoridades de todo o mundo que se reunirão para discutir a questão das drogas em sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas (Ungass), a partir da próxima terça-feira, em Nova York, um grupo de pequenos agricultores, impelido pelo propósito de poder colher o que planta, pretende ganhar visibilidade. Cultivadores de maconha, folha de coca e papoula de 14 países farão coro aos que pedem o fim da guerra às drogas e da sua proibição. Organizados no Fórum Global de Produtores de Plantas Proibidas, eles pretendem chamar atenção para a repressão policial sofrida e defendem que a expansão do mercado lícito de entorpecentes pode se tornar uma ferramenta para o desenvolvimento de suas comunidades. Apenas nos países com as maiores safras — nações da Região Andina, Mianmar e Marrocos — 500 mil pessoas dependem dessas culturas. Enquanto parcela dessa produção é usada para fins médicos, outra parte significativa é vendida para compradores que convertem as plantas em derivados como a cocaína e a heroína e abastecem o mercado ilícito de entorpecentes.

Integrantes do fórum participarão da Ungass como delegados, e um documento redigido pelo grupo será lido em mesa redonda sobre desenvolvimento alternativo, que abordará questões socioeconômicas. A “Declaração de Heemskerk”, escrita em encontro realizado na cidade holandesa em janeiro, enumera 12 recomendações para a discussão sobre as políticas mundiais de controle de drogas. Uma delas exige a retirada de coca, maconha e papoula das listas e artigos da Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 e da Convenção contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988. Hoje, esses documentos são centrais no regime internacional de controle de drogas. “Nenhuma planta deveria ser controlada pelas convenções das Nações Unidas nem por legislações nacionais. Demandamos o direito ao cultivo para o uso tradicional e moderno dessas plantas”, diz o texto, referindo-se ao consumo cerimonial, religioso, medicinal e também recreativo e alimentar. O assunto não é abordado pelo rascunho da resolução que será apresentada na UNGASS, escrito em evento preparatório realizado entre os dias 14 e 22 de março em Viena, na Áustria, e que não aponta para mudanças radicais.

— Vimos que os produtores dessas plantas eram desproporcionalmente encarados como alvo das políticas de controle de drogas, mas não tinham voz alguma no debate sobre essas políticas — argumenta Pien Metaal, do Programa de Drogas e Democracia do Transnational Institute (TNI) e uma das organizadora do evento de janeiro. — Eles (os agricultores) cultivam essas plantas porque não têm opção viável para conseguir renda, e, uma vez que a demanda e, assim como os preços, é estável, eles vão continuar a fazer isso, a menos que alternativas sérias sejam disponibilizadas. Os agricultores envolvidos nesses cultivos são pobres e só são um pouco menos pobres cultivando essas plantas.

INVESTIMENTO E DESENVOLVIMENTO

Integrante do Observatório de Cultivos e Cultivadores Declarados Ilícitos, Pedro Jose Garcia Arenas afirma que a superação da ideia de que um mundo sem drogas é possível — na qual é baseado o enfrentamento à questão há décadas — deve ser acompanhada da percepção de que é necessário investir nos pequenos produtores.

— Eles devem ser retirados da esfera penal. Assim como se fala cada vez mais do direito à saúde para os usuários de drogas, deve-se falar do direito ao desenvolvimento das comunidades que cultivam essas plantas por razões de pobreza, marginalidade e abandono dos Estados, entre outros fatores — defende.

Enquanto o Uruguai regulamentou a produção e a comercialização de maconha, e o Chile inaugurou a maior plantação de Cannabis sativa da América Latina para fins medicinais, operações de erradicação forçada de plantações continua ocorrendo em países como Equador, México e Afeganistão, por meio de métodos como queimadas e pulverização aérea com agrotóxicos. Os integrantes do fórum afirmam que mortes, ferimentos e violações de direitos humanos ocorrem no rastro das ações.

— Essas estratégias têm provocado o deslocamento de populações de seus territórios, a criminalidade em comunidades, o encarceramento de produtores, o aparecimento de doenças pela contaminação de recursos naturais, entre outros. No ano passado, a Colômbia indenizou o Equador em 15 milhões de dólares por danos causados na fronteira com o país, devido a campanhas de fumigação aérea contra a coca — relata Arenas, acrescentando que, em consequência dessas ações, hoje 50 mil processos de camponeses e indígenas contra o Estado tramitam na Justiça colombiana e mais de três mil pequenos agricultores estão presos no país.

Para Pien, os tratados da ONU precisam de revisão, sobretudo com a flexibilização da política de drogas hoje conduzida por alguns países.

— Há uma tendência política para regular o mercado para uso recreativo da cannabis longe da proibição e da criminalização. Isso começou com alguns estados dos EUA, Uruguai, e, em breve, Canadá. Será absurdo se o México continuar a erradicar as plantações de maconha, enquanto na vizinha Califórnia é permitido plantar cannabis, algo muito provável que aconteça este ano — diz, reconhecendo, porém, que, com base no rascunho da resolução final, não há esperança em relação a avanços significativos. — A questão da proporcionalidade das penas, que é quase o único progresso realizado no documento final, poderia ser benéfica para os agricultores, mas não há menção sobre erradicação forçada.