Política

Decisão sobre descriminalização da posse de drogas hiberna no Supremo

Julgamento começou há dois anos; ação aguarda voto de Alexandre de Moraes

Moraes. Análise de dados concretos
Foto: Jorge William / Agência O Globo
Moraes. Análise de dados concretos Foto: Jorge William / Agência O Globo

SÃO PAULO — A discussão sobre a descriminalização da posse de drogas para consumo próprio está parada há dois anos no Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda não há previsão de quando será retomado o julgamento, que começou em 19 de agosto de 2015 e analisa o caso de um detento flagrado em 2009 com 3 gramas de maconha na Grande São Paulo.

Três ministros já se posicionaram a favor da tese de que quem carrega drogas para consumi-las não está cometendo um crime. Para que o julgamento prossiga, porém, o ministro Alexandre de Moraes precisa devolver o processo, que está em seu gabinete por força de um pedido de vista feito por seu antecessor, o ministro Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em janeiro.

— Não (há prazo). Estou analisando, trazendo dados concretos relacionados a aumento do número de prisões, quantidade de drogas apreendidas para termos ideia dos efeitos concretos de se manter como está hoje ou alterar — disse Moraes ao GLOBO.

Indicado à Corte pelo presidente Michel Temer, o ministro é tido como linha-dura por suas passagens pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e, mais recentemente, pelo Ministério da Justiça. Em dezembro do ano passado, foi filmado cortando pés de maconha com um facão no Paraguai e chegou a emitir nota desmentindo a informação de que, em seu Plano Nacional de Segurança, pretendia acabar com a maconha na América do Sul, como havia sido divulgado por alguns veículos.

O ministro também já declarou ser contra a prisão de usuários de drogas e pequenos traficantes, que, em sua opinião, podem ser condenados a penas alternativas à detenção.

A descriminalização de drogas para consumo próprio divide dois grupos: os que acreditam que a medida respeita as liberdades individuais e pode reduzir o número de presos no Brasil e a influência do crime organizado sobre detentos não violentos; e aqueles que acham que ela pode provocar o surgimento de redes de microtraficantes, o que dificultaria o combate ao tráfico, e aumentar gastos públicos com tratamento de viciados em drogas.

ESPECIALISTAS DEFENDEM LIMITE PARA DEFINIR USUÁRIO

Especialistas defendem que, ao retomar o julgamento da descriminalização da posse de drogas para consumo próprio, o Supremo Tribunal Federal (STF) adote critérios objetivos para diferenciar quem é usuário de quem é traficante. Último a votar na sessão de 2015, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu que o Brasil adote a posse de até 25 gramas de maconha como parâmetro para caracterizar o uso.

Se esse critério estivesse valendo, cerca de 30% das pessoas presas em flagrante por porte de maconha não estariam na cadeia, segundo estimativa feita pela socióloga Juliana Carlos, coordenadora de pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Em seu estudo, Juliana analisou casos de prisão em São Paulo levantados pelo Instituto Sou da Paz em 2011.

A Lei de Drogas, de 2006, já diferencia punições para traficantes e usuários, mas cabe ao policial que atende a ocorrência fazer essa avaliação. Hoje, 74% das prisões por tráfico são baseadas apenas no relato policial, segundo dados do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. Isso faz com que observações como “atitude suspeita” ou a posse de dinheiro sem origem explícita sejam interpretados como tráfico.

MAIS DETENÇÕES

A falta de critérios objetivos para distinguir usuários e traficantes foi citada pela ONG Human Rights Watch como uma das causas para o aumento no número de presos no Brasil. Em 2005, antes da Lei de Drogas, 9% dos presos respondiam a crimes ligados a entorpecentes. Agora, são 28%, segundo o governo.

— A imensa maioria dos presos é flagrada com uma quantidade baixíssima de drogas. Além de diminuir o número de presos, adotar critérios objetivos é um parâmetro mais confiável para a Justiça e pode fazer a polícia reorientar sua atuação para o grande traficante — afirma Juliana.

O critério proposto por Barroso é semelhante ao adotado por Portugal, que substitui a abordagem policial por indicação para tratamento para quem for flagrado com até 25 gramas de maconha. Segundo dados oficiais, o consumo manteve-se estável, e as mortes por overdose caíram.

O coordenador da câmara técnica de psiquiatria do Conselho Federal de Medicina, Salomão Rodrigues Filho, diz que há relatos de aumento de casos de esquizofrenia ligados à maconha:

— Não há dados no mundo que mostrem redução considerável de crimes e do tráfico de drogas após a descriminalização. E maconha representa riscos. Não há dose segura.