Política

Especialistas se dividem sobre distinção entre usuário e traficante em projeto aprovado

Aumento da pena para tráfico, outro ponto do texto de Osmar Terra, também é alvo de polêmica

SÃO PAULO - O novo projeto de lei sobre drogas, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) e aprovado na quarta-feira à noite pela Câmara , divide opiniões de especialistas consultados pelo GLOBO. Alguns pontos do texto, afirmam, vão contra estratégias mais bem-sucedidas de países que não tratam o usuário como criminoso, como Portugal, Suíça ou Holanda, e que aplicam políticas de redução de danos.

Além da internação involuntária, o projeto prevê financiamento de comunidades terapêuticas com dinheiro público e o aumento de 5 para 8 anos da pena mínima de prisão para traficantes.

— Aumentar a pena de um traficante sem explicitar o que constitui o tráfico é um erro. As comunidades terapêuticas também não se mostram eficazes, a quantidade de gente que volta a ser internada é imensa. O país deveria estar discutindo políticas para reinserir este usuário à sociedade, isolá-lo não é a solução. O Brasil está andando para trás — disse o neurocientista Renato Filev, do Desentorpecendo a Razão, também organizador da Marcha da Maconha em SP.

Marcada para o próximo dia 8 de junho na Avenida Paulista, a manifestação promete “tratar esta nova legislação como prioridade, para ela ser rejeitada pelo Senado e pela Presidência”, diz Filev. Seu grupo é a favor da legalização completa.

Solução “meio termo” seria, segundo Roberto Lent, diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e integrante da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), aquela prevista no manifesto lançado esta semana, no Rio, por cientistas de universidades e instituições de pesquisa: a descriminalização do uso de drogas. Os signatários pediam que o Congresso alterasse a atual Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), incluindo, de forma objetiva, um limite da quantidade de cada entorpecente que um indivíduo pode portar (ou plantar) para ser considerado usuário, e não traficante.

— O dependente químico deve ser tratado como doente, não como criminoso. Seria uma solução menos radical do que a legalização — diz Lent.

Lent sugere que, após o estabelecimento de limites da quantidade de entorpecentes que os cidadãos poderiam portar sem serem criminalizados, a fiscalização seja feita nos mesmos moldes da Operação Lei Seca:

— Os agentes não usam bafômetro para medir o quanto de álcool alguém consumiu? Ele poderia ter uma balança para medir a quantidade de droga carregada. Esta nova legislação não define nem isso, é muito ambígua em relação ao que é tráfico ou não. Fica-se muito passível à interpretação policial, e isso é um risco.

Filev classifica qualquer pequeno traficante — “aquele que provavelmente pegará as novas penas de oito anos de prisão” — “como vítima do sistema, tanto quanto o usuário”.

Ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo, Januario Montone acha que a lei é um retrocesso na questão da segurança, porque “confunde mais ainda quem é traficante ou não”. Mas avança na questão do tratamento, ao permitir que doentes sejam internados mesmo sem expressarem vontade para tanto:

— Não aprovaria do jeito que ela está, por conta da questão da segurança pública. O país avançaria muito mais se estabelecesse quem faz tráfico e quem apenas usa. Qual o critério que será usado para mandar um traficante para a cadeia? — indaga Montone, elogiando a nova lei, porém, por trazer o tema do combate às drogas de volta à pauta.